10 ANOS

FAZ 10 ANOS HOJE. FORAM ANOS DE DOR E DESESPERO. FORAM ANOS EM QUE A HUMANIDADE SOFREU. FORAM ANOS PARA MORRER. FORAM ANOS PARA APRENDER A LUTAR. FORAM 10 ANOS PARA ENTENDER O FIM. FORAM 10 ANOS ATÉ ENTENDER QUE HÁ ESPERANÇA. FORAM ANOS PARA VALORIZAR OS BRAVOS E RESGATAR NOSSA FORÇA COMO ESPÉCIE. AGORA TENTAMOS RECONSTRUIR O POUCO QUE SOBROU, MAS PARA ISSO, NUNCA DEVEMOS ESQUECER NOSSO PASSADO E MUITO MENOS OS DIAS QUE NOS TROUXERAM AO PRESENTE MOMENTO. NÃO PODEMOS ESQUECER NENHUMA BATALHA, NENHUMA CONQUISTA OU DERROTA. NÃO PODEMOS ESQUECER NENHUM HERÓI, SEJA VIVO OU MORTO. NÃO VAMOS BURLAR A HISTÓRIA, NEM DEIXAR DE CONTÁ-LA. VAMOS DESCOBRIR QUE A VIDA CONTINUA E QUE TODOS DEVEMOS FICAR DE PÉ. VAMOS COMEÇAR DENOVO, E AGRADECER ÀQUELES QUE NOS LIBERTARAM PARA ISSO...

Essas são as memórias do fim. As memórias dos mortos. As memórias de um mundo que acabou. As palavras abaixo sobreviveram aos seus narradores, algumas contam a trajetória de Hector, outras, daqueles que cruzaram seu caminho. Ele jurou protegê-las com sua vida e agora elas estão aqui... Para toda a eternidade.

INSTRUÇÕES

O livro começa no post "CAOS", o primeiro post do blog, ou seja, ele deve ser lido dos posts mais antigos para os mais atuais. Os capítulos estão numerados para facilitar a navegação.

CAPÍTULO 06

Já anoitecera e eu ainda não havia sentido nenhuma dor em meus braços. Andamos por horas sem sentir, sem parar, sem cansar. Estava perdido em memórias, imerso nas palavras de Francis. Os sinais eram mesmo claros. De repente tudo fez mais sentido, mas minha vida antes do fim nunca teria me permitido entender as coisas como Francis as relatou. Eu estava isolado, perdido. E só descobri o fim quando ele bateu de frente com minha própria vida. Mas desde então, minha experiência é muito parecida com a de Francis, e suas próxiamas palavras descrevem uma realidade vivida por muitos.

Francis saiu às ruas no décimo dia e por muito tempo ele não viu nada. As ruas estavam desertas, as casas também pareciam desertas. Muitos carros estavam abandonados no meio da rua, a maioria batidos. Havia corpos também. Alguns estavam lá desde o começo, segundo Francis, pois apresentavam alto estágio de decomposição. O cheiro era forte e desagradável, mas ele passou por tudo aquilo sem falar nada. O silêncio era uma segurança. Naqueles dias, ele ainda não era um guerreiro.

Eduardo, seu irmão, carregava um facão, com lamina de aço e fio. Ele carregava apenas um bastão de madeira. Atravessaram um bairro inteiro naquela manhã. A sensação era como a de estar em uma praça de guerra.

Para onde ele pudesse olhar, era possível ver cápsulas de balas, corpos e destruição. Uma dezena de carros havia sido queimada até sobrar pouco mais de uma estrutura coberta de fuligem. As janelas das casas, vitrines de lojas e tudo o que era vidro estava quebrado e sujo de sangue. Ratos e baratas herdarão o mundo. Ao menos naqueles momentos eles eram soberanos. O caos estava logo depois da porta de sua casa, e agora ele estava no meio dele.

Faltavam poucos metros até o mercado quando finalmente encontraram alguém. Era um indivíduo gordo. Ele virou a esquina e deu de cara com Francis. Por alguns segundos, ninguém falou nada, ele lembra de ter firmado o pulso no cabo do bastão, mas o manteve abaixado. Foi então que percebeu que o homem estava muito assustado e não poderia lutar, pois em suas mãos, abraçadas junto ao peito, ele carregava uma grande quantidade de dinheiro, além de duas garrafas de bebida. Vodka, segundo ele.

Quando Francis tentou se aproximar para conversar, ele o insultou e começou a correr na direção contraria. Estava bêbado, Francis sentiu o cheiro fermentado de seu hálito mesmo com alguns passos de distância. Ele mijou nas calças quando os encontrou, formou até uma pequena poça. Depois que ele correu, Francis juntou algumas notas que ele derrubou e guardou em seu bolso. Eduardo também o fez, e depois riram de todo aquele absurdo.

Alguns passos depois, não estavam mais sozinhos. Assim como eles, uma multidão tomou coragem para deixar suas casas. Era um dia de furtos e saques, era um dia de loucura total. As portas do mercado haviam sido destruídas, mais tarde perceberam que foram atravessadas por um carro. Lá dentro, uma verdadeira batalha começou. As pessoas agarravam TVs, geladeiras, computadores e lutavam com unhas e dentes pelo direito de levá-los para casa.

Carrinhos lotados de eletrônicos passavam por eles, e as pessoas os olhavam desconfiadas, tentando esconder e proteger seus espólios. Seguindo um rastro de destruição, encontraram um furgão preto. As portas laterais estavam abertas e alguns homens armados o carregavam com todo o tipo de produtos eletrônicos que conseguiam. Eram DVDs, TVs, computadores, laptops, câmeras digitais, aparelhos de som, monitores, filmadoras. Sobre o furgão, um homem robusto portava um rifle. Ele gritava e cuspia para todos manterem distância. Ele girava e apontava a arma para todos que ameaçavam seu perímetro.

Francis olhava tudo sem saber o que pensar, não conseguia entender aquele absurdo. Ele previra o fim, ele previra o caos. Poucos dias antes ele sabia que teria que lutar pela sua própria sobrevivência, mas agora testemunhava com seus próprios olhos a realidade... Ninguém mais entendia o que estava acontecendo. Ele balançou a cabeça em desaprovação e foi aí que um dos carregadores foi em sua direção. Francis tentou esconder o bastão, tentou sair de seu caminho. Avisou Eduardo e pediu que ele se afastasse, não queria arrumar encrenca com homens armados.

Foi só quando parou ao seu lado que Francis percebeu que não era a ele que o homem queria. Seus olhos arregalados brilhavam em uma mistura de adrenalina e medo. Ele encostou sua pistola na cabeça de um senhor que estava o tempo todo atrás de Francis.

Ele tentou se afastar da confusão, mas a multidão queria chegar mais perto, então a massa o empurrou cada vez mais para dentro de um pequeno circulo onde os homens discutiam.

– Dê-me a câmera! - disse o homem armado em um tom imperativo.
– Não posso. - respondeu o senhor.

Aquela discussão continuou por mais alguns segundos, e poderia ter durado até a eternidade se a atenção do homem sobre o furgão não tivesse sido tomada. Primeiro, ele disparou alguns tiros para o alto, o que gerou pânico na multidão, depois mandou que todos se afastassem para ele ver o que estava acontecendo. Os homens continuaram pedindo a câmera, mas o senhor, que agora se dizia um repórter, negava o pedido. Sob a cobertura do homem do furgão, o outro tentou tomá-la à força.

Durou apenas uma fração de segundo. Um movimento brusco. Um tiro. Francis nunca entendeu o que o fez agir naquela hora, mas assim que viu o repórter se virar e sacar uma arma. Ouviu um tiro atrás dele. Sabia de onde vinha aquele tiro e sabia qual era seu destino, então simplesmente soltou seu corpo que segurava o peso da multidão e esbarrou no repórter, acabaram girando e levando consigo o homem que tentava lhe arrancar a câmera. Durou apenas uma fração de segundos, mas aquele homem nunca mais levantou. O tiro lhe atingiu a nuca e atravessou até sair pela frente do pescoço. A bala ainda atingiu o repórter no ombro, mas Francis só descobriu isso muito depois.

Ele estava no chão, com o peso de dois corpos sobre ele. Ouvia gritos e tiros por todos os lados. Via os pés correndo alucinados ao seu lado. Sentia dor, muita dor. Estava sendo pisoteado. Empurrou com sua única mão livre e tentou se livrar dos corpos, mas não tinha força suficiente e não conseguia achar apoio para se levantar. De repente tudo ficou mais leve e mais claro. Eduardo tirou os corpos de cima dele, mas antes mesmo de Francis se levantar, pode ver que ele estava lutando.

Ele nunca tinha visto uma lâmina cortar nada como aquele facão. Não foi bonito. Ao ver os membros sendo decepados pela lâmina afiada do facão de Eduardo, ele foi tomado por uma loucura incontrolável. Ainda sentia muita dor, mas o bastão em sua mão parecia clamar por ação. Sem perceber, começou a dançar e girar. Sabia cada passo e compunha cada golpe com o máximo de sua força. Tentava abrir caminho, mas Eduardo estava cada vez mais longe. E foi quando ele viu que estava tudo errado.

Não eram mais a mesma massa de pessoas que estava ali no começo. Ao avançar mais alguns passos em meio à multidão desesperada Francis pode ver duas ondas colidindo. Uma massa maltrapilha, com hematomas, ferimentos abertos e tomada por raiva invadiu o mercado pegando todos pelas costas. Eram os infectados. Ele avançou ainda mais e pode ver que as portas pareciam um funil, elas continham um incontável número deles lá fora, mas a cada segundo, dezenas conseguiam entrar.

Francis parou alguns segundos e tentou escalar uma prateleira, então viu o Eduardo lutando na linha de frente, pensou que não haveria saída. Pensou ser aquele seu fim. Pensou um pouco mais, então voltou até perto do furgão onde encontrou o cadáver do homem que tentara arrancar a câmera do fotógrafo, mas o mesmo não estava mais lá. Teve que empurrar, bater e abrir caminho com força para andar no meio da massa de pessoas, mas valeu a pena, pois a arma ainda estava caída no chão. Francis pegou a pistola e se virou na direção da porta na esperança de ainda encontrar o Eduardo lutando.

Ouvia constantemente os tiros sendo disparados pelos homens do furgão, inclusive os tiros de rifle, e por alguns segundos agradeçou por eles estarem lá, acreditando que poderiam conter aquela massa ensandecida. Mais uma vez, ele estava empurrando, batendo e gritando para abrir espaço, navegava no meio do mar de pessoas usando as placas do supermercado, ele sabia que Eduardo estava entre os caixas e a seção de congelados. Francis sentiu fome e se arrependeu disso, pois logo depois desse pensamento pode ver os reais efeitos da contaminação. Se tivesse algo em seu estômago, teria vomitado.

Agora ele via pessoas com o rosto dilacerado, órbitas vazias e sangue nos dentes. Agora via seus primeiros fantasmas, e eles estavam por todos os lados.

Francis encontrou Eduardo e foi até ele. Gritou seu nome uma vez, gritou seu nome denovo. Não queria chegar muito perto enquanto ele rodava o facão para manter todos afastados. Ele não ouvia. Francis não ouvia sua própria voz. Então levantou a pistola e atirou para cima. Foi um eco seco, mas todos se voltaram para ele e por poucos segundos, ele encontrou silêncio para dizer - Achei uma saída - Foi terrível! Aleijados, ensangüentados e desesperados, os infectados foram atraídos para Francis. Agora ele era o alvo e correu com o Eduardo para a saída de acesso à garagem.

Correram abrindo caminho entre as pessoas, sentiram que eles estavam logo atrás deles e por duas ou três vezes, ouviram o zunido dos tiros de rifle passarem perto deles para atingir os infectados que os perseguiam.

A saída para a garagem tinha uma grade de aço, mas ela estava aberta e presa por uma corrente. Algumas pessoas os seguiram, mas logo atrás delas o número de infectados era absurdo. Francis ordenou aos dois últimos homens que tentassem bloquear o caminho, mas eles continuaram correndo e Francis podia jurar que se não estivessem tão assustados, teriam rido na sua cara. Ele esqueceu isso e voltou para tentar fechar a porta, mas não tinha tempo para desenrolar a corrente, então atirou nela para partir os elos e após fechá-la, juntou dois elos inteiros e atravessou-os com seu bastão. Sabia que não duraria muito tempo, mas esperava que fosse o suficiente.

A última coisa que ele viu antes de descer, foi o homem, com o rifle sobre o furgão, morrer. Ele gritou quando seus pés foram agarrados, mordidos e puxados. Ele disparou tiros para baixo, mas já era tarde demais. Dezenas de mãos apertavam, arranhavam, e puxavam seus pés até onde outras dezenas de bocas podiam morder, esmagar e sangrar sua carne.

Descendo para a garagem, Francis insultou sua ignorância em tentar proteger, até o último segundo os equipamentos eletrônicos. Mas então lembrou que seus tiros salvaram sua vida e calou seus pensamentos.

No final da rampa, ele pode ouvir o bastão partindo e um estrondo da grade despencando, sentiu a pressão da loucura em sua alma, sentiu o medo fraquejar suas pernas, mas aquele ainda não era o último prego do caixão, pois foi só quando finalmente Francis ultrapassou a porta da garagem que ele rugiu em desespero. Tudo estava perdido...

3 comentários:

Anônimo disse...

putz, muito bom!
a narrativa, o enredo, a história em geral , mto boa!
só achei que quando o carro passou pela mina, deveria haver uam explicação mais detalhada do estado fisíco-emocional dos personagens. E depois de terminada, é só passar a limpo, corrigir os erros ortograficos; e pronto. Muito Bom!

Anônimo disse...

vc é produtor de cinema?
mto bom

Anônimo disse...

ok, estamos na espera
: )

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